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domingo, 27 de abril de 2014

Interface como Comportamento Verbal



Neste post pretendo apresentar a intersecção que venho vislumbrando há um bom tempo já entre dois campos de estudo: do Design de Interação, o estudo das interfaces; com a Análise do Comportamento, (pra ser mais específico, o estudo do comportamento verbal por essa disciplina).

Tratar interface como produto do e ambiente para o comportamento verbal ainda está incipiente pra mim, mas tenho certeza que ela pode render toda uma linha de pesquisa em Design de Interação & Análise do Comportamento.

Interface aqui neste artigo é toda maneira pela qual um sistema tecnológico e um usuário interagem por meio de comandos e reações. Elas podem ser gráficas, ou audiovisuais, ou tangíveis, dentre outros tipos.

Penso que encarar interfaces como comportamento verbal, aos moldes da teoria Skinneriana, trará grandes insights para designers de interação. Neste post explicarei o porquê.


Interface como verbalizações entre 
duas pessoas: projetista e usuário



Mas antes dois esclarecimentos pertinentes para quem não está habituado com o paradigma comportamental:


1. Comportamento verbal não está apenas nas palavras


Pode confundir muita gente pensar em interface como algo verbal. Afinal, apenas parte dela é formada por textos e apenas as interfaces para deficientes visuais tem fala. 

O ponto é que imagens e sons não-vocalizados (como "beeps") também são linguagens humanas. Um placa de trânsito verbaliza algo para uma pessoa habituada com ela.  Essa aí do lada você entendeu, né? Talvez tenha "ouvido" o significado dela enquanto lia.

Da mesma forma ícones são verbalizações. Melhor dizendo, são comportamentos verbais emitidos numa forma gráfica. Esse aí da esquerda você pegou, né? Há toda uma discussão
sobre legibilidade do ícone, sobre os limites da compreensibilidade deles, até que ponto eles são de apreensão intuitiva de fato.. Essa discussão existe também quando o assunto são as palavras.

Falar, escrever, desenhar, ler e interagir com interfaces são formas de comunicação verbal porque envolvem agir de acordo com convenções aprendidas que fazem sentido numa dada comunidade verbal (por exemplo, os falantes de português, ou os usuários de Mac).




2. A interface é comunicação entre designer e usuário

Interface é um ambiente de contato e transição entre o core tecnológico de um produto e seu usuário. Ela é um ambiente onde comportamentos verbais são emitidos tanto por parte do produto (que dá feedback de seu funcionamento, p.e.), quanto de seu usuário (que emite comandos e digita textos).

A primeira premissa que adoto aqui é  a inteligência da interface é a inteligência dos comportamentos do designer, antevendo as interações com usuários. Não há interface inteligente: há designer de interface inteligente, ou melhor, que projetou de forma inteligente.

Interface é comunicação entre duas pessoas: designer de interface e usuário da interface. Quanto melhor for essa comunicação mais inteligente foi o designer em entender o comportamento dos usuários.




Ok, feitos esses 2 esclarecimentos, prossigamos...




Entendendo mais do comportamento verbal


Em 1957 B.F. Skinner lançou "Verbal Behavior", livro que inaugurou um paradigma funcionalista e contextualista para entender a linguagem, ou melhor, comportamentos verbais. É por esse paradigma, que chamarei aqui de analítico-comportamental, que trabalho.

O que Skinner diz? Que comportamentos verbais só podem ser entendidos como episódios específicos, emitidos por uma dada pessoa num dado contexto único. Ou seja, nada de regras gerais ou gramáticas universais. O que importa é analisar contingências sempre peculiares. Ao invés de longos estudos em sintaxe, gramática e fonética, diz Skinner, mais útil é entender a pragmática, isto é, as consequências das verbalizações no comportamento do ouvinte, leitor, etc.

Por que esse paradigma e não os convencionais? Qual a vantagem? Diria que a principal é que quando se estuda comportamentalmente a linguagem você passa a ter uma visão corporificada, situada, localizada, distribuída no social do fenômeno da comunicação. A linguagem deixa de ser um conjunto de regras abstratas e passa a ser parte da vivência orgânica de indivíduos num ambiente.

Pra Skinner a unidade mínima de análise é o operantes verbal, e não fonemas, letras, palavras, frases, etc. Um operante verbal é qualquer episódio verbal que tenha um efeito no comportamento da audiência, podendo ser uma palavra ("Ei!") ou uma frase ("Ligue a luz por favor!").

Skinner propôs uma tipologia dos operantes verbais. Os principais, ou de Primeira Ordem, pois em tese todo episódio verbal acaba sendo ou um ou outro, são: tatos e mandos.


Um tato é uma descrição de um estímulo, condição ou estado. Ex: "Está frio", "Gostei do site".


Um mando é um pedido, ordem, tentativa de controlar o comportamento da audiência. Ex: "Clique com o botão da esquerda para continuar".

A partir daí Skinner estabelece uma série de outros operantes: intraverbais, ecos, ditados, leituras, dicas, sondagens, etc. Mas o que importa não é tanto identificar os comportamentos operantes verbais em classes, mas entender a situação que os gera, a forma como se expressam e as consequências que ocasionam no contexto de emissão. Em outras palavras, focar no funcionamento da comunicação e não na microestrutura das palavras, sentenças, fonemas, etc.

muito mais coisa a se falar sobre esse paradigma científico. Pra quem estiver curioso, clique aqui e aqui.




Análises comportamentais de interfaces

caso 1 - Confirmação para apagar itens da lixeira





O designer da interface pretende que o usuário leia um breve texto. Nesse texto há um tato ("Há 3 itens na lixeira") e um mando ("Se quiser apagar, digite 'SIM', se não, 'NÃO' "). Note que topograficamente o texto que está ali é diferente, é uma pergunta. Mas funcionalmente uma pergunta é um mando. Importa entender a função das verbalizações no contexto mais que a sintaxe da frase.



caso 2 - Interface do World of Warcraft


Tanto a interface de um game ajuda a conta sua história que existe este site dedicado a publicar interfaces do WoW. Para quem é da comunidade de jogadores desse game ver a interface ajuda a entender muito da narrativa, indo além da cena retrata pelos personagens no cenário.

Vejamos esta tela de World of Warcraft e sua interface para muitos assustadora e incompreensível de tão densa:


























O que vemos aí pode parecer difícil de entender num primeiro momento. Mas membros da comunidade verbal de jogadores de WoW já aprenderam como decifrar os sinais.

A interface está cheia do que Skinner chamou de "probes", isto é, sondagens temáticas. Grupos de operantes verbais com funções parecidas foram situados visualmente próximos uns dos outros. Até a cor foi usada como estímulo para ajudar o "leitor" da interface a discriminar esses campos melhor. Por exemplo, os ícones no centro abaixo da tela para representar as habilidades de magia do personagem dispostos em 3 linhas de 12 linhas cada.


Uma vez que tal controle de estímulos foi feito, fica mais fácil localizar e compreender os tatos (muitos tatos!) que foram dispostos ali. 


Considerações Finais

Como eu disse no início do post, analisar interfaces como comportamento verbal ainda está incipiente pra mim.

Sei que isso envolve entender operantes verbais, e também entender o ambiente virtual da interface como palco onde contingências do designer e do usuário se entrelaçam através de um diálogo.

Mas a vantagem é evidente: é o paradigma que mais foca na Pragmática do design de interações.


Voltarei a esse assunto outro dia aqui no meu blog...


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