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domingo, 29 de dezembro de 2013

O que é essa tal de "Experiência do Usuário" ?



"Devemos criar uma melhor user experience", "A Experiência do Usuário é tudo", "O grande diferencial está na UX". 

Frases comuns de se ouvir no meio do pessoal do Design. Mas, como eu disse em outro post aqui, acredito que há pouca clareza sobre o que vem a ser essa tal de User eXperience (UX).

Esse tema é especialmente difícil, por exigir algum conhecimento prévio em Filosofia para ser entendido. 

Sim, Filosofia.  O problema "o que é a experiência do sujeito" foi tratado por diversos filósofos antes dos designers transporem o debate pro campo do usuário.

Vamos à minha argumentação, baseada em 3 definições necessárias: a de Experiência (conforme a filosofia pragmatista e a Ciência), a de Comportamento e de Contingência (essas 2 a partir da Análise e Síntese Comportamental).


1) Experiência

Não é algo que acontece com você. É algo que você gera a partir de suas ações. 

John Dewey (1), grande filósofo do Pragmatismo, definiu experiência como resultado de nossa ações, conforme o diagrama:




Assim, numa visão pragmatista, a experiência do sujeito (seja ele enquanto usuário de algo ou não), se origina da forma como ele age diante de dadas condições  ("Estado inicial"), gerando mudanças tanto nele como nessas condições.


A percepção/consciência de diferentes pessoas serão diferentes
para os mesmos dados sensoriais. Toda experiência é particular:
não adianta tentar produzi-las em escala industrial


A Ciência confirma essa tese filosófica no campo da percepção. Em termos cognitivos, perceber é fazer algo que dá sentido às sensações, organizando-as. A consciência da experiência depende da forma como percebemos, por isso diferentes pessoas expostas a um mesmo Estado inicial terão diferentes experiências, uma vez que a percepção é afetada, p.e., pela hierarquia de valores e condições momentâneas de cada um.

Ok, ok, então UX é algo que o usuário gera por suas ações, e não algo que recebe, passivamente. E agora?



2) Comportamento

Uma definição um tanto primitiva de comportamento é essa: "Tudo aquilo que o organismo faz" (2). Diversos refinamentos já foram propostos. Essa definição tem seus problemas, mas ajuda a pensar inicialmente o assunto.

Tomemos ela como base. Agora somemos ela à definição de Experiência dita anteriormente, e temos a conclusão lógica de que Experiência do Usuário é um nome que damos ao comportamento do usuário.

Quando dizemos que vamos investigar a UX, é de investigar o comportamento do usuário que estamos falando. Quando dizemos que a UX de um dado sistema não ficou boa, estamos dizendo que usuários não gostaram dela por agiram de tal e tal forma. E por aí vai...

Mas penso que a conclusão de que UX é comportamento não é o bastante. Podemos avançar mais.


A UX não é o comportamento da pessoa propriamente.
É algo que esse comportamento gera no contexto de uso.



3) Contingência

Não me parece que a UX é o comportamento do usuário em si (suas ações no contexto). Mas algo que essas ações geram como consequência. E par explicar isso melhor, preciso falar sobre contingências.

Resumidamente, uma contingência de reforçamento (para uma analista do comportamento) é um conjunto de relações entre três termos de eventos: 

a) uma situação anterior

b) ações de um organismo

c) formas como as ações do organismo alteraram o contexto gerando uma experiência posterior (3)

Esquematicamente:


Também pode chamar de "passado -> presente -> futuro", ok?


OBS: Contingências de reforçamento é um assunto um bocado mais complexo que isso. Especialmente quando falamos de relações funcionais entre variáveis dispostas nos três termos. Mas isso não é assunto para este post, ok?


Se UX é comportamento, então ocorre determinada por contingências de reforçamento. 

Como analisar contingencialmente a UX, então?

Um bom ponto de partida:










O que parece ocorrer é que quando designers enfatizam demais o primeiro termo da contingência (Condições de uso), estão falando de ergonomia, usabilidade, e outros fatores humanos d
o artefato e seu ambiente de uso.

Quando enfatizam o segundo termo (Ações), estão pesquisando o comportamento do usuário.

E a tal da UX seria o terceiro termo. As consequências do uso efetivo do artefato. Consequências essas muitas vezes inesperadas ou surpreendentes, que envolvem emoções, reforçamentos, aprendizagens, etc, mas que devem ser o verdadeiro alvo do design. O artefato é apenas um veículo para a obtenção de dadas consequências reforçadores ao usuário. É um reforço que o usuário procura através do artefato, não simplesmente o artefato.

Quando falamos que vamos projetar UX, estamos falando na verdade programar contingências de reforçamento de tal forma a garantir (ou ao menos tornar muito mais provável) que determinados eventos comportamentais ocorram. Da mesma forma, quando dizemos que um artefato tem boa UX, estamos dizendo que ele gera no usuário consequências reforçadores ao uso dele. Diante de uma boa UX, o usuário se sentirá satisfeito por entrar em contato com algo especialmente reforçador para ele e dirá: "Gostei e quero mais disso".



Conclusão


Somando as 3 definições que passei anteriormente, sobre Experiência, Comportamento e Contingência, podemos dizer que a UX é um assunto de natureza comportamental. Pra ser mais específico, ela deve ser estudada contingencialmente, pois é o resultado da relação entre ações do usuário as condições de uso do artefato.

Em outras palavras, User Experience é um nome que damos às diversas consequências do comportamento da pessoa enquanto usa um artefato, em determinadas condições ambientais, do artefato e da pessoa.







Referências

(1) DEWEY, John. Reconstrução em Filosofia. 2ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959a

(2) Skinner, B. F. (1953/1967). Ciência e comportamento humano. Brasília: Editora da Universidade de Brasília.

(3) SkinnerB. F. (1975). Contingências do Reforço. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Livros sobre User eXperience são meio superficiais, não acham?




Peguei este livro pra ler na Biblioteca da UFSC, como parte da minha preparação pro meu mestrado que começa em março.

Sentei hoje na cafeteria para lê-lo com calma. Primeira lida de sondagem, vasculhando. Segunda lida mais atenta, levou 30 min, e vi que o livro era bem ruim.

Assim como diversos outros livros sobre Design de Interação (e afins), está muito bem editado, diagramado, ilustrado. É sucinto e tenta ser útil. Mas, e aí está a falha, não traz nada novo. É bem sem conteúdo.

Segue o mesmo padrão de diversos livros, e cita a teoria dos affordances de Donald Norman (que ele mesmo já disse que se arrepende de ter popularizado), depois 2 ou 3 procedimentos de pesquisa com usuário, 2 ou 3 técnicas de modelagem de informações, e um monte de 'cases' explicados vagamente. E pára por aí.

Nada de genial. Nada de novo.

Aliás, na disciplina que já fiz do Mestrado, "Design de Interfaces", várias vezes foi comentado como os artigos da área sempre fazem referência aos mesmos 4 ou 5 autores, repetindo quase sempre os mesmos conceitos.

Noto que isso é uma constante no campo da "User eXperience". Muito conhecimento puramente empírico amarrado de forma inconsistente, sem grande pesquisa científica pra embasar, mas sim alguma intuição de quem fez, apenas.

Me lembra o que um colega meu, o Rodrigo Oliveira, comentou certa vez em aula: "Esse negócio de UX é bacana, mas tenho a impressão que ninguém sabe direito o que é". 

Deem uma olhada nessas páginas do livro:




Essa imagem ilustra bem o que estou dizendo. Muita cor, ótimo layout e chamarizes estéticos. E só um pouquinho de conteúdo (Que nem é assim grandes coisas).

Livros assim não são estudáveis. São folheáveis como se fossem revistas de entretenimento. Sem Ciência por trás fica assim : sem saberes eficientes pra serem usados.

Acho que o Rodrigo tava mesmo certo. Muita gente falando de UX, mas pouca clareza operacional do que se trata. 


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Entendendo os procedimentos de pesquisa com usuários




Precisamos pesquisar
o usuário. E agora???

Com o Design Centrado do Usuário e iniciativas afins cada vez mais os designers estão falando de comportamento humano. E, especialmente, da necessidade de entendê-lo para melhor projetar. De fato, mais e mais precisarão pesquisar o usuário a nível comportamental. Contudo esse profissionais não foram preparados para isso na graduação. E agora, designers?

Em parte essa imensa lacuna de repertório explica o surgimento de pós-graduações onde designers basicamente aprendem como trazer o "lado Humanas" para seus trabalhos. 

Acontece que eu fiz o caminho inverso: comecei na Psicologia, estudando bastante como analisar o comportamento das pessoas, e depois fui buscar aplicações disso no Design (quem diria, achei várias). Por causa dessa experiência vejo que os designers precisam se familiarizar com certos procedimentos de pesquisa com pessoas. 


Teste laboratorial de usabilidade

Sendo bem sucinto, defendo que há 2 grandes procedimentos de pesquisa dos quais derivam todos os outros:  a observação e a experimentação. E não esses dois à toa. Trata-se dos dois grandes pilares da pesquisa em Ciências Naturais como um todo (E como sou da turma da Análise Comportamental sou um entusiasta das Ciências Naturais).


OBS: Grosso modo, um experimento também é uma observação, só que em condições controladas e com intervenções planejadas. Logo, tudo gira em torno de ser um bom observador.

Ocorre que observação e experimentação podem ser vistas como extremos de uma mesma escala:



O motivo dessa organização está no fato de que observar é o procedimento mais fácil e barato de todos, e experimentação, o mais caro e desafiador de realizar. Por outro lado, observações costumam trazer dados mais dúbios, correlações por vezes mal explicadas. Ao passo que experimentações geram mensurações precisas, evidências de causa-efeito. Resultados de experimentos são de um modo geral mais confiáveis, gozando de mais status científico.

Logo:




Por causa desse estado de coisas a observação, e os mais próximos desse polo,  costuma ser o procedimento mais usado. Até banalizado, por vezes ("Ah, eu sei, vou dar uma olhada só e tá bom"). Mas não despreze o poder de uma observação bem feita: ela rende muita informação pertinente! Nem pense que experimentação é para poucos eleitos em laboratórios de ponta. Dependendo de algumas circunstâncias dá sim para realizar experimentos até de baixo custo (Falarei disso outro dia aqui no blog).

Pois bem, anteriormente eu disse que todos os procedimentos de pesquisa com usuário se encontram em algum ponto na escala entre Observação e Experimentação.

Quais seriam eles? Como se organizam na escala?


Eis uma forma de responder a essas questões:


Tem muita coisa que faltou ali na lista de procedimentos de pesquisa. E cada um dos itens que está ali em cima em azul renderia muito pano pra manga pra ser apresentado, explicado, discutido. Mas penso que o diagrama ali em cima ajuda a visualizar do que estou falando em termos de distribuição dos procedimentos de pesquisa no eixo Observação-Experimentação. Me refiro ao fato de que por mais que os procedimentos de pesquisa com pessoas sejam variados, eles obedecem uma progressão de precisão que coincide com o crescimento do custo, controle de condições e dificuldade de aplicação.

Em outros posts voltarei a falar de procedimentos de pesquisa. E mais que isso: como tratar os dados obtidos através deles e apresentar na forma de informações pertinentes a um projeto. 

domingo, 22 de dezembro de 2013

A 'Experiência do Usuário' está nas emoções ?



A "experiência do usuário" são
as emoções que ele sente ao usar o produto ?


Continuo lendo "Pleasure with products: Beyond Usability" (2002), conforme comentei no outro post, sobre personalidade de produtos

Cheguei no capítulo 5, "Product Appearance and Consumer Pleasure", que traz dois achados bem pertinentes oriundos de experimentos com usuários. 

O primeiro é de que a forma como respondemos emocionalmente a um produto está mais diretamente ligada aos aspectos sensoriais-estéticos deste. Isto é, se "achamos impressionante" inferimos que será prazeroso, e vice-versa. 

O segundo achado é que pessoas aprovam um produto quando este as emociona positivamente. Em outras palavras, um produto de sucesso causa emoções intensas e agradáveis, e essas são a causa de seu sucesso.

Tendo a concordar com o primeiro, porque de fato emoções (respostas emocionais, melhor dizendo), são comportamentos mais restritos a reações a estímulos, por vezes mecânicos, menos voluntários. Mas o segundo achado tem sérios problemas. Ele parte a ideia do senso comum pela qual emoções causam comportamentos, conforme este diagrama:




Contudo em termos científicos não é bem isso acontece (e este talvez seja o conceito mais contra-intuitivo de toda a Análise do Comportamento, veja bem! ), mas emoções não causam comportamentos. Não é porque tivemos emoções agradáveis usando um produto que decidimos que ele é bom, útil, eficaz, digno de ser comprado, etc. Se o designer achar que é pelas emoções geradas que o público aprecia seus produtos ele empobrecerá sua percepção sobre o que de fato acontece, e correrá o risco de não entender seus consumidores.

As emoções são respostas involuntárias a estímulos. O que gera a ilusão de que elas causam comportamentos é a contiguidade das emoções e nossas ações. As emoções ocorrem ao mesmo tempo que comportamentos operantes, que são, grosso modo, voluntários e intencionais (estou simplificando bastante aqui pra caber tudo neste post), e isso faz parece que elas geraram estes. 

Pondo num diagrama:









A experiência do usuário é boa quando gera consequências reforçadoras, isto é, alterações concretas no ambiente e na história do usuário. As emoções agradáveis são apenas uma reação automática, efeito e não causa da experiência. Aliás, é por isso que um produto pode emocionar muito e ainda assim não vender, ou pode vender uma barbaridade por sua utilidade operacional, mesmo sem emocionar.

A imagem a seguir explica isso com um exemplo:


Este ambiente oferece segurança, estética  e diversão (que são estímulos reforçadores).
O contato com esses reforçadores causa emoções  agradáveis em seus usuários.
É pelos reforçadores que a experiência foi aprovada: as emoções
originadas são apenas consequências destes.

O erro de análise comum feito no Design Hedonístico é focar apenas nas emoções do usuário (respostas aos reforçadores), e perder de vista o que as gerou (a relação funcional dos comportamentos do usuário com os reforçadores). Essas relações sim valem a pena ser melhor analisadas. Mais importante que perguntar "Que emoções a experiência causou?" é perguntar "Que reforçadores presentes na experiência geraram emoções desejáveis? E por quê?"

Já cansei de ver estudos sobre expressões faciais e sinais fisiológicos em busca das emoções dos consumidores, como se esse tipo de dado estrutural fosse a chave para um melhor design de experiências. Poucos, contudo, são os estudos que investigam aspectos funcionais das emoções. Isto é, que aspecto do produto gera emoções? O que é reforçador para o consumidor? De quais reforçadores ele se sentem privado? Quais as relações funcionais dos operantes ligados aos reforçadores? E por aí vai...

CONCLUSÃO: Investigue as emoções não como causas ou essência da user experience, mas como pistas que indicam quais os determinantes funcionais dela.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Produtos têm personalidade ??




Estou lendo "Pleasure with products: Beyond Usability" (2002). A premissa central desse livro é que desenvolvedores se preocuparam demais com o lado intelectual do produto, sua eficiência de uso, e perderam de vista aspectos sensório-motores e emocionais-estéticos. 

Um artigo me chamou a atenção. "The Personalities of Products". Os autores dizem que produtos que vão além da mera usabilidade possuem personalidade. Inclusive chegam a falar de testes psicológicos, como o MBTI, aplicados para decifrar a personalidade de uma cafeteira.

Ok, ok, pode ser apenas uma metáfora. Ainda assim, uma metáfora ruim.


Personalidade é um daqueles conceitos em Psicologia que são bem pouco operacionais. Pouco mesmo. A nível comportamental trata-se de uma simplificação, um modo coloquial de falar superficialmente de comportamentos que geram alguma identidade pessoal. Além disso costuma-se explicar o comportamento de uma pessoa meramente se inferindo a personalidade dela como causa, o que sacia a curiosidade mas impede investigações mais apuradas. 

E se explicarmos a user experience de um produto por sua personalidade, que investigações serão impedidas?


"Oi, sou uma cafeteira. Sou alegre, dinâmica,
um tanto distraída às vezes, e gosto de gatos.
Por isso vendo mais que as cafeteiras de Sagitário"

Em "O Design do Futuro", Donald Norman comenta que não há objetos inteligentes propriamente. A inteligência de um objeto é na verdade a inteligência aplicada de seus projetistas. Se um carro inteligente segue um determinado algoritmo pode-se ter certeza que foi uma pessoa que, de forma inteligente (tomara!) pensou esse algoritmo previamente.

De forma análoga não há produtos com personalidade: o que existe são produtos que expressam valores identitários escolhidos estrategicamente por seus projetistas. Analisar a personalidade de um produto  é apenas compreender de que forma seus projetistas planejaram afetar emocionalmente seu usuários (Espero que tenham pensado nisso).

Ou seja, nem se trata também de analisar a personalidade dos projetistas, mas sim suas decisões projetuais feitas num dado contexto.


Braun: uma marca que muito influenciou a Apple
No artigo, os produtos Braun são classificados como honestos, sérios, brilhantes, estáveis, autoritários(?), conformistas e cínicos(Hã?). Como esse radinho aí do lado. Mas esses são valores planejados por decisores do projeto, não atributos intrínsecos do produto. É a decisão estratégica dos projetistas, que leva em conta diversas contingências de mercado, que deve ser analisada, não uma fantasmal personalidade do produto. Ou seja, a "personalidade" de um produto não é fruto de uma casualidade qualquer que mobiliza misteriosamente emoções nas pessoas, mas  sim algo oriundo de cálculo de seus projetistas (Ou ao menos deveria ser).

Em tempo: o que achei mais interessante de toda essa história de analisar personalidade de produtos foi a possibilidade de checar se o plano estratégico dos projetistas corresponde aos efeitos gerados nos usuários. Por exemplo, objetivou-se inicialmente criar um rádio despojado e divertido. Uma boa pergunta de pesquisa seria: "Os objetivos identitários dos projetistas foram atingidos de fato, gerando tais impressões em quem usou  o produto?"