"Devemos criar uma melhor user experience", "A Experiência do Usuário é tudo", "O grande diferencial está na UX".
Frases comuns de se ouvir no meio do pessoal do Design. Mas, como eu disse em outro post aqui, acredito que há pouca clareza sobre o que vem a ser essa tal de User eXperience (UX).
Esse tema é especialmente difícil, por exigir algum conhecimento prévio em Filosofia para ser entendido.
Sim, Filosofia. O problema "o que é a experiência do sujeito" foi tratado por diversos filósofos antes dos designers transporem o debate pro campo do usuário.
Vamos à minha argumentação, baseada em 3 definições necessárias: a de Experiência (conforme a filosofia pragmatista e a Ciência), a de Comportamento e de Contingência (essas 2 a partir da Análise e Síntese Comportamental).
1) Experiência
Não é algo que acontece com você. É algo que você gera a partir de suas ações.
John Dewey (1), grande filósofo do Pragmatismo, definiu experiência como resultado de nossa ações, conforme o diagrama:
Assim, numa visão pragmatista, a experiência do sujeito (seja ele enquanto usuário de algo ou não), se origina da forma como ele age diante de dadas condições ("Estado inicial"), gerando mudanças tanto nele como nessas condições.
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A percepção/consciência de diferentes pessoas serão diferentes para os mesmos dados sensoriais. Toda experiência é particular: não adianta tentar produzi-las em escala industrial |
A Ciência confirma essa tese filosófica no campo da percepção. Em termos cognitivos, perceber é fazer algo que dá sentido às sensações, organizando-as. A consciência da experiência depende da forma como percebemos, por isso diferentes pessoas expostas a um mesmo Estado inicial terão diferentes experiências, uma vez que a percepção é afetada, p.e., pela hierarquia de valores e condições momentâneas de cada um.
Ok, ok, então UX é algo que o usuário gera por suas ações, e não algo que recebe, passivamente. E agora?
2) Comportamento
Uma definição um tanto primitiva de comportamento é essa: "Tudo aquilo que o organismo faz" (2). Diversos refinamentos já foram propostos. Essa definição tem seus problemas, mas ajuda a pensar inicialmente o assunto.
Tomemos ela como base. Agora somemos ela à definição de Experiência dita anteriormente, e temos a conclusão lógica de que Experiência do Usuário é um nome que damos ao comportamento do usuário.
Quando dizemos que vamos investigar a UX, é de investigar o comportamento do usuário que estamos falando. Quando dizemos que a UX de um dado sistema não ficou boa, estamos dizendo que usuários não gostaram dela por agiram de tal e tal forma. E por aí vai...
Mas penso que a conclusão de que UX é comportamento não é o bastante. Podemos avançar mais.
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A UX não é o comportamento da pessoa propriamente. É algo que esse comportamento gera no contexto de uso. |
3) Contingência
Não me parece que a UX é o comportamento do usuário em si (suas ações no contexto). Mas algo que essas ações geram como consequência. E par explicar isso melhor, preciso falar sobre contingências.
Resumidamente, uma contingência de reforçamento (para uma analista do comportamento) é um conjunto de relações entre três termos de eventos:
a) uma situação anterior
b) ações de um organismo
c) formas como as ações do organismo alteraram o contexto gerando uma experiência posterior (3)
Esquematicamente:
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Também pode chamar de "passado -> presente -> futuro", ok? |
OBS: Contingências de reforçamento é um assunto um bocado mais complexo que isso. Especialmente quando falamos de relações funcionais entre variáveis dispostas nos três termos. Mas isso não é assunto para este post, ok?
Se UX é comportamento, então ocorre determinada por contingências de reforçamento.
Como analisar contingencialmente a UX, então?
Um bom ponto de partida:
O que parece ocorrer é que quando designers enfatizam demais o primeiro termo da contingência (Condições de uso), estão falando de ergonomia, usabilidade, e outros fatores humanos do artefato e seu ambiente de uso.
Quando enfatizam o segundo termo (Ações), estão pesquisando o comportamento do usuário.
E a tal da UX seria o terceiro termo. As consequências do uso efetivo do artefato. Consequências essas muitas vezes inesperadas ou surpreendentes, que envolvem emoções, reforçamentos, aprendizagens, etc, mas que devem ser o verdadeiro alvo do design. O artefato é apenas um veículo para a obtenção de dadas consequências reforçadores ao usuário. É um reforço que o usuário procura através do artefato, não simplesmente o artefato.
Quando falamos que vamos projetar UX, estamos falando na verdade programar contingências de reforçamento de tal forma a garantir (ou ao menos tornar muito mais provável) que determinados eventos comportamentais ocorram. Da mesma forma, quando dizemos que um artefato tem boa UX, estamos dizendo que ele gera no usuário consequências reforçadores ao uso dele. Diante de uma boa UX, o usuário se sentirá satisfeito por entrar em contato com algo especialmente reforçador para ele e dirá: "Gostei e quero mais disso".
Conclusão
Somando as 3 definições que passei anteriormente, sobre Experiência, Comportamento e Contingência, podemos dizer que a UX é um assunto de natureza comportamental. Pra ser mais específico, ela deve ser estudada contingencialmente, pois é o resultado da relação entre ações do usuário as condições de uso do artefato.
Em outras palavras, User Experience é um nome que damos às diversas consequências do comportamento da pessoa enquanto usa um artefato, em determinadas condições ambientais, do artefato e da pessoa.
Referências
(1) DEWEY, John. Reconstrução em Filosofia. 2ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959a
(2) Skinner, B. F. (1953/1967). Ciência e comportamento humano. Brasília: Editora da Universidade de Brasília.
(3) Skinner, B. F. (1975). Contingências do Reforço. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Ed. Abril
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