Estou lendo "Pleasure with products: Beyond Usability" (2002). A premissa central desse livro é que desenvolvedores se preocuparam demais com o lado intelectual do produto, sua eficiência de uso, e perderam de vista aspectos sensório-motores e emocionais-estéticos.
Um artigo me chamou a atenção. "The Personalities of Products". Os autores dizem que produtos que vão além da mera usabilidade possuem personalidade. Inclusive chegam a falar de testes psicológicos, como o MBTI, aplicados para decifrar a personalidade de uma cafeteira.
Ok, ok, pode ser apenas uma metáfora. Ainda assim, uma metáfora ruim.
Personalidade é um daqueles conceitos em Psicologia que são bem pouco operacionais. Pouco mesmo. A nível comportamental trata-se de uma simplificação, um modo coloquial de falar superficialmente de comportamentos que geram alguma identidade pessoal. Além disso costuma-se explicar o comportamento de uma pessoa meramente se inferindo a personalidade dela como causa, o que sacia a curiosidade mas impede investigações mais apuradas.
E se explicarmos a user experience de um produto por sua personalidade, que investigações serão impedidas?
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"Oi, sou uma cafeteira. Sou alegre, dinâmica, um tanto distraída às vezes, e gosto de gatos. Por isso vendo mais que as cafeteiras de Sagitário" |
Em "O Design do Futuro", Donald Norman comenta que não há objetos inteligentes propriamente. A inteligência de um objeto é na verdade a inteligência aplicada de seus projetistas. Se um carro inteligente segue um determinado algoritmo pode-se ter certeza que foi uma pessoa que, de forma inteligente (tomara!) pensou esse algoritmo previamente.
De forma análoga não há produtos com personalidade: o que existe são produtos que expressam valores identitários escolhidos estrategicamente por seus projetistas. Analisar a personalidade de um produto é apenas compreender de que forma seus projetistas planejaram afetar emocionalmente seu usuários (Espero que tenham pensado nisso).
Ou seja, nem se trata também de analisar a personalidade dos projetistas, mas sim suas decisões projetuais feitas num dado contexto.
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Braun: uma marca que muito influenciou a Apple |
Em tempo: o que achei mais interessante de toda essa história de analisar personalidade de produtos foi a possibilidade de checar se o plano estratégico dos projetistas corresponde aos efeitos gerados nos usuários. Por exemplo, objetivou-se inicialmente criar um rádio despojado e divertido. Uma boa pergunta de pesquisa seria: "Os objetivos identitários dos projetistas foram atingidos de fato, gerando tais impressões em quem usou o produto?"
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